Allan Kardec, em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, no Capítulo III, sobre as diferentes categorias de mundos, esclarece que “A Terra pertence à categoria dos mundos de expiação e provas, razão por que aí vive o homem a braços com tantas misérias”.
Na questão 167, em “O Livro dos Espíritos”, Kardec pergunta: “Qual o fim objetivado com a reencarnação?” Resposta: “Expiação, melhoramento progressivo da Humanidade. Sem isto, onde a justiça?”
Na questão 920: “Pode o homem gozar de completa felicidade na Terra?” Resposta: “Não, por isso que a vida lhe foi dada como prova ou expiação. Dele, porém, depende a suavização de seus males e o ser tão feliz quanto possível na Terra”.
Como devemos entender expiação e provas para a Doutrina Espírita?
Consultando o dicionário, extraímos algumas definições para as nossas reflexões.
Prova poderá ter o sentido de: demonstração da veracidade de uma proposição ou de um fato; teste, exame, arguição, comprovação ou questionário sobre algo; testemunho; experiência; ato de avaliar o saber ou o aprendizado; degustação; estado de desgosto, dor e desgraça; situação que testa a capacidade de superação de alguém; dentre outros tantos.
Religiosamente, provação poderá ser uma situação muito difícil ou excesso de sofrimento que testa a capacidade de superação de uma pessoa, sua fé religiosa, seus preceitos morais ou suas convicções.
Já expiação poderá ter o sentido de purificação de crimes ou faltas cometidas; penitência, castigo, cumprimento de pena; ou sofrimento compensatório de culpa.
Da Codificação Espírita, podemos extrair alguns textos que auxiliarão a compreensão.
Em “O Livro dos Espíritos”, na Introdução, temos: “Os Espíritos não ocupam perpetuamente a mesma categoria. Todos se melhoram passando pelos diferentes graus da hierarquia espírita. Esta melhora se efetua por meio da encarnação, que é imposta a uns como expiação, a outros como missão. A vida material é uma prova que lhes cumpre sofrer repetidamente, até que hajam atingido a absoluta perfeição moral”.
Assim, os Espíritos progridem em pluralidade de existências na busca da perfeição relativa à Humanidade, passando por diferentes graus da hierarquia espírita, em que a melhora se efetua por meio da encarnação que é imposta, podendo ser expiação, ou missão, em que a vida material é uma prova necessária para atingir a absoluta perfeição moral.
Ainda na Introdução, Kardec esclarece que “(…) as amarguras da vida são provas úteis ao seu adiantamento, se as sofrer sem murmurar, porque será recompensado na medida da coragem com que as houver suportado”.
Nas questões 98, 107, 113, 115, 119 e 166, em “O Livro dos Espíritos”, somos informados que os Bons Espíritos, da Segunda Ordem, a despeito do grau de perfeição a que chegaram, de compreenderem Deus e já gozarem da felicidade dos bons, todos ainda têm que sofrer provas até atingir a perfeição. Somente os Espíritos Puros, da Primeira Ordem, que percorreram todos os graus da escala e se despojaram de todas as impurezas da matéria, tendo alcançado a soma de perfeição de que é suscetível a criatura, não têm mais que sofrer provas, nem expiações. Os Espíritos Puros não estando mais sujeitos à reencarnação em corpos perecíveis, realizam a vida eterna no seio de Deus.
Ademais, “Deus criou todos os Espíritos simples e ignorantes, isto é, sem saber. A cada um deu determinada missão, com o fim de esclarecê-los e de os fazer chegar progressivamente à perfeição, pelo conhecimento da verdade, para aproximá-los de si. Nesta perfeição é que eles encontram a pura e eterna felicidade. Passando pelas provas que Deus lhes impõe é que os Espíritos adquirem aquele conhecimento. Uns aceitam submissos essas provas e chegam mais depressa à meta que lhes foi assinada. Outros, só a suportam murmurando e, pela falta em que desse modo incorrem, permanecem afastados da perfeição e da prometida felicidade”.
Nesse sentido, as provas impostas aos Espíritos pelas leis divinas, como uma avaliação de merecimento por suas obras, ao final de cada existência, precisam ser superadas com resignação para adquirir os conhecimentos evolutivos necessários para o acúmulo de experiências que nos impulsionam na busca da perfeição. Conforme forem cumpridas essas provas, aceleramos ou estacionamos o nosso progresso.
Os Espíritos não podem se isentar das provas que lhes cumpre sofrer, porquanto, se assim fosse, que mérito teriam para gozar dos benefícios da perfeição. As provas são necessárias e impostas por Deus na busca da perfeição em pluralidade de existências, ou seja, cada situação da nossa vida pode ser entendida como uma prova para dar mais um passo em direção à evolução.
As expiações estão relacionadas às faltas cometidas, consistindo nas tribulações que sofremos. “Todas as penas e tribulações da vida são expiação das faltas de outra existência, quando não a consequência das da vida atual” (questão 983, em “O Livro dos Espíritos). “As vicissitudes da vida corpórea constituem expiação das faltas do passado e, simultaneamente, provas com relação ao futuro. Depuram-nos e elevam-nos, se as suportamos resignados e sem murmurar” (questão 339, em “O Livro dos Espíritos).
Da colocação da questão 339, pode-se afirmar: “Assim, a expiação serve sempre de prova, mas nem sempre a prova é uma expiação”. Isto porque: “Não há crer, no entanto, que todo sofrimento suportado neste mundo denote a existência de uma determinada falta. Muitas vezes são simples provas buscadas pelo Espírito para concluir a sua depuração e ativar o seu progresso”. (O Evangelho Segundo o Espiritismo, Capítulo V, item 9)
“A expiação se cumpre durante a existência corporal, mediante as provas a que o Espírito se acha submetido e, na vida espiritual, pelos sofrimentos morais, inerentes ao estado de inferioridade do Espírito” (questão 998, em “O Livro dos Espíritos).
Todos os atos viciosos têm consequências. Para com quem havemos procedido mal constitui um dos castigos que nos estão reservados; que ao estado de inferioridade dos Espíritos correspondem penas na Terra. Não há faltas irremissíveis que a expiação não possa apagar.
As provações podem ser difíceis, mas nelas o Espírito é colocado em situações que o afasta da inércia, proporcionando-lhe oportunidades para trabalhar a melhoria das suas atuais condições de vida.
Nas expiações, o Espírito vê-se colocado prisioneiro das más ações cometidas pelo uso indevido do livre-arbítrio. Pelas faltas cometidas, renasce para repará-las, sofrendo as tribulações correspondentes à pena imposta pela justiça divina, para apreender com a dor como instrumento de educação e cura espiritual.
O arrependimento das faltas cometidas é o elemento chave para liberar o Espírito das provações dolorosas e das expiações. O arrependimento, a expiação e a reparação são as três condições necessárias para apagar os traços de uma falta e as suas consequências.
O arrependimento suaviza as dores da expiação, abrindo pela esperança o caminho da reabilitação. Só a reparação pode anular o efeito e destruir a causa.
A libertação do Espírito, ou a reparação, indica ser a etapa final da expiação porque, perante os códigos divinos, não nos é suficiente expiar uma falta, é preciso anulá-la, definitivamente, da vida do Espírito imortal, pela prática do bem.
A reparação consiste em fazer o bem a quem se havia feito o mal. Quem não repara os seus erros nesta vida por fraqueza ou má vontade, achar-se-á numa existência posterior em contato com as mesmas pessoas a quem prejudicou, e em condições voluntariamente escolhidas, de modo a demonstrar-lhes o seu devotamento, e fazer-lhes tanto bem quanto mal lhes tenha feito.
A respeito de planejamento reencarnatório, na questão 264, temos que o Espírito, na escolha das provas que queira sofrer, “Ele escolhe, de acordo com a natureza de suas faltas, as que o levem à expiação destas e a progredir mais depressa. Uns, portanto, impõem a si mesmos uma vida de misérias e privações, objetivando suportá-las com coragem; outros preferem experimentar as tentações da riqueza e do poder, muito mais perigosas, pelos abusos e má aplicação a que podem dar lugar, pelas paixões inferiores que uma e outros desenvolvem; muitos, finalmente, se decidem a experimentar suas forças nas lutas que terão de sustentar em contacto com o vício”.
Pode o Espírito, “por prova e por expiação, escolher uma existência em que seja arrastado ao crime, quer pelo meio onde se ache colocado, quer pelas circunstâncias que sobrevenham, mas será sempre livre de agir ou não agir. Assim, o livre-arbítrio existe para ele, quando no estado de Espírito, ao fazer a escolha da existência e das provas e, como encarnado, na faculdade de ceder ou de resistir aos arrastamentos a que todos nos temos voluntariamente submetido. Cabe à educação combater essas más tendências. Fá-lo-á utilmente, quando se basear no estudo aprofundado da natureza moral do homem. Pelo conhecimento das leis que regem essa natureza moral, chegar-se-á a modificá-la, como se modifica a inteligência pela instrução e o temperamento pela higiene” (Resumo teórico do móvel das ações humanas – item 872, em “O Livro dos Espíritos”).
Outras reflexões sobre esse tema podemos extrair do livro “O Consolador”, em “2.5.2 Provação”, do Espírito Emmanuel, na psicografia de Francisco Cândido Xavier:
“246. Qual a diferença entre provação e expiação?
– A provação é a luta que ensina ao discípulo rebelde e preguiçoso a estrada do trabalho e da edificação espiritual. A expiação é a pena imposta ao malfeitor que comete um crime.
247. A lei da prova e da expiação é inflexível?
– Os tribunais da justiça humana, apesar de imperfeitos, por vezes não comutam as penas e não beneficiam os delinquentes com o ‘sursis’? A inflexibilidade e a dureza não existem para a misericórdia divina, que, conforme a conduta do Espírito encarnado, pode dispensar na lei, em benefício do homem quando a sua existência já demonstre certas expressões do amor que cobre a multidão dos pecados.
248. Como se verifica a queda do Espírito?
– Conquistada a consciência e os valores racionais, todos os Espíritos são investidos de uma responsabilidade, dentro das suas possibilidades de ação; porém, são raros os que praticam seus legítimos deveres morais, aumentando os seus direitos divinos no patrimônio universal. Colocada por Deus no caminho da vida, como discípulo que termina os estudos básicos, a alma nem sempre sabe agir em correlação com os bens recebidos do Criador, caindo pelo orgulho e pela vaidade, pela ambição ou pelo egoísmo, quebrando a harmonia divina pela primeira vez e penetrando em experiências penosas, a fim de restabelecer o equilíbrio de sua existência.
249. A queda do Espírito somente se verifica na Terra?
– A Terra é um plano de vida e de evolução como outro qualquer, e, nas esferas mais variadas, a alma pode cair, em sua rota evolutiva, porquanto precisamos compreender que a sede de todos os sentimentos bons ou maus, superiores ou indignos, reside no âmago do Espírito imperecível e não na carne que se apodrecerá com o tempo.
250. Como se processa a provação coletiva?
– Na provação coletiva verifica-se a convocação dos Espíritos encarnados, participantes do mesmo débito, com referência ao passado delituoso e obscuro. O mecanismo da justiça, na lei das compensações, funciona então espontaneamente, através dos prepostos do Cristo, que convocam os comparsas na dívida do pretérito para os resgates em comum, razão por que, muitas vezes, intitulais, “doloroso acaso”, as circunstâncias que reúnem as criaturas mais díspares no mesmo acidente, que lhes ocasiona a morte do corpo físico ou as mais variadas mutilações, no quadro dos seus compromissos individuais.
251. A incredulidade é uma provocação?
– O ateísmo ou incredulidade absoluta não existe, a não ser no jogo de palavras dos cérebros desesperados, nas teorias do mundo, porque, no íntimo, todos os Espíritos se identificam com a ideia de Deus e da sobrevivência do ser, que lhes é inata. Essa ideia superior pairará acima de todos os negativismos e sairá vitoriosa de todos os decretos de força que se organizam nos Estados terrenos, porque constitui a luz da vida e a mais preciosa esperança das almas.
252. Somente se recebe a ofensa a que se fez jus no cumprimento das provas? E considerando a intensidade dessa ou daquela provação, poderá alguém reencarnar fadado ao suicídio e ao crime?
– Receberemos a dor de acordo com as necessidades próprias, com vistas ao resgate do passado e à situação espiritual do futuro. No capítulo da ofensa, quando a recebemos de alguém que se encontra dentro do nosso nível de compreensão e do plano evolutivo, é certo que se trata de provação bem amarga, indispensável ao nosso processo de regeneração própria. Existem, porém, no mundo, as pedradas da ignorância e da má-fé, partidas dos sentimentos inferiores e convém que o cristão esteja preparado e sereno, de modo a não recebê-las com sensibilidade doentia, mas com o propósito de trabalho e esforço próprio, conhecendo que as mesmas fazem parte do seu plano de vida temporária, aonde veio para se educar, colaborando ao mesmo tempo na educação de seus semelhantes. Relativamente ao suicídio é oportuno repetir que a obra de Deus é a do amor e do bem, de todos os planos da vida, e devemos reconhecer que, se muitos Espíritos reencarnam com a prova das tentações ao suicídio e ao crime, é porque esses devem agir como alunos que, havendo perdido uma prova em seu curso, voltam ao estudo da mesma no ano seguinte, até obterem conhecimento e superioridade na matéria. Muitas almas efetuam a repetição de um mesmo esforço e, por vezes, sucumbem na luta, sem perceberem a necessidade de vigilância, sem que possamos, de modo algum, imputar a Deus o fracasso de suas esperanças, porque a Providência Divina concede a todos os seres as mesmas oportunidades de trabalho e de habilitação”.
Por fim, pode-se concluir que as provas e as expiações são sempre sinais de relativa inferioridade, necessitando de evoluir, porquanto o que é perfeito não precisa ser provado ou expiado.
Bibliografia:
EMMANUEL (Espírito); na psicografia de Francisco Cândido Xavier. O Consolador. 29ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2019.
KARDEC, Allan; tradução de Guillon Ribeiro. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2019.
KARDEC, Allan; tradução de Guillon Ribeiro. O Livro dos Espíritos. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2019.