Determinismo, livre-arbítrio e fatalidade

Há males na vida em que o próprio ser humano dá causa, mas há outros que parecem uma fatalidade ou um determinismo.

Para quem identifica fatalidade, o acontecimento não pode ser evitado, adiado ou alterado, por sua imprevisibilidade, cabendo apenas aceitar. Para a fatalidade, é difícil encontrar uma explicação.

Para os adeptos do determinismo, o acontecimento sofre a influência de algo além da sua capacidade, decorrente, por exemplo, de fatores ambientais, genéticos, religiosos ou por outro aspecto que atuou para o ocorrido.

Na fatalidade e no determinismo, o acontecimento é efeito de causa anterior, alheia à sua vontade, ao seu desejo ou à sua ação, que pode ser de caráter natural ou sobrenatural. Para essas situações, nada é capaz de alterar a ordem estabelecida ou não há interferência do livre-arbítrio humano.

Assim, essa reflexão tratará das questões que envolvem livre-arbítrio, determinismo e fatalidade, sob a ótica da Doutrina Espírita, apoiando-se em esclarecimentos e ensinamentos extraídos da Codificação Espírita, de Allan Kardec, e da sua literatura complementar.

Para o Espiritismo, Deus cria todos os Espíritos simples e ignorantes, começando seus processos evolutivos em pluralidade de existências na busca da perfeição, tendo Jesus como o caminho, a verdade e a vida em direção ao Pai.

Na questão 132, em “O Livro dos Espíritos”, de Allan Kardec, sobre qual o objetivo da encarnação dos Espíritos, a resposta é que “Deus lhes impõe a encarnação com o fim de fazê-los chegar à perfeição”. Logo, a busca da perfeição é um determinismo divino, em que todos chegarão a esse estágio evolutivo, cedo ou tarde. A evolução espiritual será sempre imposta e inevitável. Não regredimos porque os bens celestiais adquiridos pelo Espírito já fazem parte da bagagem espiritual.

Na reencarnação, o Espírito imortal conserva a sua individualidade, conectando-se passado, presente e futuro. A nova existência é oportunidade de recomeço, aprendizado, crescimento interior, aperfeiçoamento, recomposição, correção, renovação, regeneração e transformação, para a construção do seu destino e evoluir moral e espiritualmente.

Pelo livre-arbítrio, nas respostas às questões 843 e 844, o Espírito tem “a liberdade de pensar, tem igualmente a de obrar. Sem o livre-arbítrio, o homem seria máquina. (…) Há liberdade de agir, desde que haja vontade de fazê-lo. Nas primeiras fases da vida, quase nula é a liberdade, que se desenvolve e muda de objeto com o desenvolvimento das faculdades. Estando seus pensamentos em concordância com o que a sua idade reclama, a criança aplica o seu livre-arbítrio àquilo que lhe é necessário.”

O livre-arbítrio nos proporciona o poder de escolhas e somos responsáveis por elas, inclusive pelas consequências e pelos males que causamos aos semelhantes. Não podemos simplesmente jogar a culpa nos outros ou nas circunstâncias externas, ou eximindo-nos das nossas responsabilidades.

Pela lei de causa e efeito, a reencarnação proporciona ao Espírito devedor as condições de refazimento do seu destino, sobretudo mediante o uso correto do livre-arbítrio.

A alma que não alcançou a perfeição, depura-se sofrendo a prova de nova existência, experimentando transformação e benefícios que indicam a manifestação da justiça e da misericórdia divinas, que não condenam o Espírito infrator ao sofrimento eterno.

A cada existência, o Espírito dá um passo no caminho do progresso e, quando se libertar de todas as impurezas, não tem mais necessidade das provações da vida corporal.

Todo esse processo de transformação exige trabalho, esforço e firmeza de propósitos, porquanto as virtudes são conquistas individuais do Espírito, alcançadas em sucessivas experiências reencarnatórias.

As más tendências resultam de experiências infelizes vivenciadas pelo ser humano, na existência atual e nas passadas, e sempre decorrentes do seu nível de evolução, moral e intelectual.

No combate aos vícios e às paixões, é importante manter-se vigilante, emitindo pensamentos relacionados ao bem, neutralizadores das consequências indesejáveis decorrentes dos processos viciosos, sérios obstáculos ao progresso intelectual e moral do Espírito.

A transformação moral e espiritual tem que ocorrer dentro de nós, em um trabalho de melhoramento interior, uma ação de dentro para fora, mediante um processo contínuo de aprimoramento moral do Espírito para a sua necessária evolução.

Assim, dentro do determinismo divino na busca da perfeição em pluralidade de existências, o ser humano tem o livre-arbítrio para realizar as escolhas corretas a caminho do progresso moral e espiritual, em que ele é o construtor do seu destino e, de acordo com as suas disposições íntimas, pode modificá-lo para melhor ou complicá-lo.

O planejamento reencarnatório está ligado às consequências do uso do livre-arbítrio, situação que reflete o nível de evolução. Logo, o destino reporta-se ao uso do livre-arbítrio ou à liberdade de ação de cada um, que sempre é coerente com o nível evolutivo, moral e intelectual do indivíduo.

Por conseguinte, considerando a lei de causa e efeito, é possível aceitar que alguns atos da vida seguem um determinismo relativo relacionado ao planejamento reencarnatório. Contudo, esse planejamento é passível de alteração, pois não é rígido nem inflexível. Tudo depende da forma como o indivíduo conduz a sua existência e como se posiciona perante os desafios da vida.

Há quem suponha que a lei de causa e efeito é algo que deva ser cumprido inexoravelmente, independentemente da vontade e dos esforços individuais. Entretanto, a pessoa consciente das dificuldades e dos desafios existenciais pode, num esforço da vontade, fazer com que a essa lei se cumpra não pelo sofrimento, mas pelo amor.

O Espiritismo considera que nada acontece sem que Deus saiba, mas não significa que há um controle divino absoluto, que impede a manifestação da vontade do homem.

Deus dá ao Espírito a liberdade de escolha, deixando-lhe a responsabilidade de seus atos. Se vier a sucumbir, resta-lhe o consolo de que nem tudo se acabou para ele e que Deus, em sua bondade, deixa-o livre para recomeçar o que foi malfeito.

Nesse processo, o ser humano desenvolve a sua capacidade de fazer escolhas mais acertadas, de saber utilizar corretamente o livre-arbítrio, à medida que evolui espiritualmente, pela aquisição de conhecimento e de moralidade. Nestas condições aprende a distinguir o bem do mal.

Nesse contexto, a liberdade é condição necessária da alma humana que, sem ela, não poderia construir o seu destino. Sem a liberdade de escolha, o ser humano seria um joguete de forças ambientes. Portanto, o livre-arbítrio, a livre vontade do Espírito, exerce-se principalmente na hora das reencarnações.

Mergulhados no determinismo divino e na dinâmica evolutiva do Universo, somos movidos pelos anseios de melhorar e aperfeiçoar cada vez mais. O desejo evolutivo compreende os labores da vida, as superações e as experiências vividas, cujas conquistas do Espírito continuarão além da morte, na vida que nunca acaba.

O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, nas questões de 851 a 867, trata da fatalidade, do destino, do infortúnio, do determinismo divino e do livre-arbítrio. Na questão 972, Allan Kardec faz um resumo teórico das ações humanas relacionadas a esse tema.

“851. Haverá fatalidade nos acontecimentos da vida, conforme ao sentido que se dá a este vocábulo? Quer dizer: todos os acontecimentos são predeterminados? E, neste caso, que vem a ser do livre-arbítrio?

‘A fatalidade existe unicamente pela escolha que o Espírito fez, ao encarnar, desta ou daquela prova para sofrer. Escolhendo-a, instituiu para si uma espécie de destino, que é a consequência mesma da posição em que vem a achar-se colocado. Falo das provas físicas, pois, pelo que toca às provas morais e às tentações, o Espírito, conservando o livre-arbítrio quanto ao bem e ao mal, é sempre senhor de ceder ou de resistir. Ao vê-lo fraquear, um bom Espírito pode vir-lhe em auxílio, mas não pode influir sobre ele de maneira a dominar-lhe a vontade. Um Espírito mau, isto é, inferior, mostrando-lhe, exagerando aos seus olhos um perigo físico, o poderá abalar e amedrontar. Nem por isso, entretanto, a vontade do Espírito encarnado deixa de se conservar livre de quaisquer peias.’

852. Há pessoas que parecem perseguidas por uma fatalidade, independente da maneira por que procedem. Não lhes estará no destino o infortúnio?

‘São, talvez, provas que lhes caiba sofrer e que elas escolheram. Porém, ainda aqui lançais à conta do destino o que as mais das vezes é apenas consequência de vossas próprias faltas. Trata de ter pura a consciência em meio dos males que te afligem e já bastante consolado te sentirás.’

As ideias exatas ou falsas que fazemos das coisas nos levam a ser bem ou malsucedidos, de acordo com o nosso caráter e a nossa posição social. Achamos mais simples e menos humilhante para o nosso amor-próprio atribuir antes à sorte ou ao destino os insucessos que experimentamos, do que à nossa própria falta. É certo que para isso contribui algumas vezes a influência dos Espíritos, mas também o é que podemos sempre forrar-nos a essa influência, repelindo as ideias que eles nos sugerem, quando más.

853. Algumas pessoas só escapam de um perigo mortal para cair em outro. Parece que não podiam escapar da morte. Não há nisso fatalidade?

‘Fatal, no verdadeiro sentido da palavra, só o instante da morte o é. Chegado esse momento, de uma forma ou doutra, a ele não podeis furtar-vos.’

a) Assim, qualquer que seja o perigo que nos ameace, se a hora da morte ainda não chegou, não morreremos?

‘Não; não perecerás e tens disso milhares de exemplos. Quando, porém, soe a hora da tua partida, nada poderá impedir que partas. Deus sabe de antemão de que gênero será a morte do homem e muitas vezes seu Espírito também o sabe, por lhe ter sido isso revelado, quando escolheu tal ou qual existência.’

854. Do fato de ser infalível a hora da morte, poder-se-á deduzir que sejam inúteis as precauções que tomemos para evitá-la?

‘Não, visto que as precauções que tomais vos são sugeridas com o fito de evitardes a morte que vos ameaça. São um dos meios empregados para que ela não se dê.’

855. Com que fim nos faz a Providência correr perigos que nenhuma consequência devem ter?

‘O fato de ser a tua vida posta em perigo constitui um aviso que tu mesmo desejaste, a fim de te desviares do mal e te tornares melhor. Se escapas desse perigo, quando ainda sob a impressão do risco que correste, cogitas, mais ou menos seriamente, de te melhorares, conforme seja mais ou menos forte sobre ti a influência dos Espíritos bons. Sobrevindo o mau Espírito (digo mau, subentendendo o mal que ainda existe nele), entras a pensar que do mesmo modo escaparás a outros perigos e deixas que de novo tuas paixões se desencadeiem. Por meio dos perigos que correis, Deus vos lembra a vossa fraqueza e a fragilidade da vossa existência. Se examinardes a causa e a natureza do perigo, verificareis que, quase sempre, suas consequências teriam sido a punição de uma falta cometida ou da negligência no cumprimento de um dever. Deus, por essa forma, exorta o Espírito a cair em si e a se emendar.’

856. Sabe o Espírito antecipadamente de que gênero será sua morte?

‘Sabe que o gênero de vida que escolheu o expõe mais a morrer desta do que daquela maneira. Sabe igualmente quais as lutas que terá de sustentar para evitá-lo e que, se Deus o permitir, não sucumbirá.’

857. Há homens que afrontam os perigos dos combates, persuadidos, de certo modo, de que a hora não lhes chegou. Haverá algum fundamento para essa confiança?

‘Muito amiúde tem o homem o pressentimento do seu fim, como pode ter o de que ainda não morrerá. Esse pressentimento lhe vem dos Espíritos seus protetores, que assim o advertem para que esteja pronto a partir, ou lhe fortalecem a coragem nos momentos em que mais dela necessita. Pode vir-lhe também da intuição que tem da existência que escolheu, ou da missão que aceitou e que sabe ter que cumprir.’

858. Por que razão os que pressentem a morte a temem geralmente menos do que os outros?

‘Quem teme a morte é o homem, não o Espírito. Aquele que a pressente pensa mais como Espírito do que como homem. Compreende ser ela a sua libertação e espera-a.’

859. Com todos os acidentes, que nos sobrevêm no curso da vida, se dá o mesmo que com a morte, que não pode ser evitada, quando tem de ocorrer?

‘São de ordinário coisas muito insignificantes, de sorte que vos podemos prevenir deles e fazer que os eviteis algumas vezes, dirigindo o vosso pensamento, pois nos desagradam os sofrimentos materiais. Isso, porém, nenhuma importância tem na vida que escolhestes. A fatalidade, verdadeiramente, só existe quanto ao momento em que deveis aparecer e desaparecer deste mundo.’

a) Haverá fatos que forçosamente devam dar-se e que os Espíritos não possam conjurar, embora o queiram?

‘Há, mas que tu viste e pressentiste quando, no estado de Espírito, fizeste a tua escolha. Não creias, entretanto, que tudo o que sucede esteja escrito, como costumam dizer. Um acontecimento qualquer pode ser a consequência de um ato que praticaste por tua livre vontade, de tal sorte que, se não o houvesses praticado, o acontecimento não se teria dado. Imagina que queimas o dedo. Isso nada mais é senão resultado da tua imprudência e efeito da matéria. Só as grandes dores, os fatos importantes e capazes de influir no moral, Deus os prevê, porque são úteis à tua depuração e à tua instrução.”

860. Pode o homem, pela sua vontade e por seus atos, fazer que se não deem acontecimentos que deveriam verificar-se e reciprocamente?

‘Pode-o, se essa aparente mudança na ordem dos fatos tiver cabimento na sequência da vida que ele escolheu. Acresce que, para fazer o bem, como lhe cumpre, pois que isso constitui o objetivo único da vida, facultado lhe é impedir o mal, sobretudo aquele que possa concorrer para a produção de um mal maior.’

861. Ao escolher a sua existência, o Espírito daquele que comete um assassínio sabia que viria a ser assassino?

‘Não. Escolhendo uma vida de lutas, sabe que terá ensejo de matar um de seus semelhantes, mas não sabe se o fará, visto que ao crime precederá quase sempre, de sua parte, a deliberação de praticá-lo. Ora, aquele que delibera sobre uma coisa é sempre livre de fazê-la, ou não. Se soubesse previamente que, como homem, teria que cometer um crime, o Espírito estaria a isso predestinado. Ficai, porém, sabendo que ninguém há predestinado ao crime e que todo crime, como qualquer outro ato, resulta sempre da vontade e do livre-arbítrio.

Ademais, sempre confundis duas coisas muito distintas: os sucessos materiais da vida e os atos da vida moral. A fatalidade, que algumas vezes há, só existe com relação àqueles sucessos materiais, cuja causa reside fora de vós e que independem da vossa vontade. Quanto aos atos da vida moral, esses emanam sempre do próprio homem que, por conseguinte, tem sempre a liberdade de escolher. No tocante, pois, a esses atos, nunca há fatalidade.”

862. Pessoas existem que nunca logram bom êxito em coisa alguma, que parecem perseguidas por um mau gênio em todos os seus empreendimentos. Não se pode chamar a isso fatalidade?

‘Será uma fatalidade, se lhe quiseres dar esse nome, mas que decorre do gênero da existência escolhida. É que essas pessoas quiseram ser provadas por uma vida de decepções, a fim de exercitarem a paciência e a resignação. Entretanto, não creias seja absoluta essa fatalidade. Resulta muitas vezes do caminho falso que tais pessoas tomam, em discordância com suas inteligências e aptidões. Grandes probabilidades têm de se afogar quem pretender atravessar a nado um rio, sem saber nadar. O mesmo se dá relativamente à maioria dos acontecimentos da vida. Quase sempre obteria o homem bom êxito, se só tentasse o que estivesse em relação com as suas faculdades. O que o perde são o seu amor-próprio e a sua ambição, que o desvia da senda que lhe é própria e o fazem considerar vocação o que não passa de desejo de satisfazer a certas paixões. Fracassa por sua culpa. Mas, em vez de culpar-se a si mesmo, prefere queixar-se da sua estrela. Um, por exemplo, que seria bom operário e ganharia honestamente a vida, mete-se a ser mau poeta e morre de fome. Para todos haveria lugar no mundo, desde que cada um soubesse colocar-se no lugar que lhe compete.’

863. Os costumes sociais não obrigam muitas vezes o homem a enveredar por um caminho de preferência a outro e não se acha ele submetido à direção da opinião geral, quanto à escolha de suas ocupações? O que se chama respeito humano não constitui óbice ao exercício do livre-arbítrio?

‘São os homens e não Deus quem faz os costumes sociais. Se eles a estes se submetem, é porque lhes convêm. Tal submissão, portanto, representa um ato de livre- -arbítrio, pois que, se o quisessem, poderiam libertar-se de semelhante jugo. Por que, então, se queixam? Falece-lhes razão para acusarem os costumes sociais. A culpa de tudo devem lançá-la ao tolo amor-próprio de que vivem cheios e que os faz preferirem morrer de fome a infringi-los. Ninguém lhes leva em conta esse sacrifício feito à opinião pública, ao passo que Deus lhes levará em conta o sacrifício que fizerem de suas vaidades. Não quer isto dizer que o homem deva afrontar sem necessidade aquela opinião, como fazem alguns em quem há mais originalidade do que verdadeira filosofia. Tanto desatino há em procurar alguém ser apontado a dedo, ou considerado animal curioso, quanto acerto em descer voluntariamente e sem murmurar, desde que não possa manter-se no alto da escala.’

864. Assim como há pessoas a quem a sorte em tudo é contrária, outras parecem favorecidas por ela, pois que tudo lhes sai bem. A que atribuir isso?

‘De ordinário, é que essas pessoas sabem conduzir-se melhor nas suas empresas. Mas, também pode ser um gênero de prova. O bom êxito as embriaga; fiam-se no seu destino e muitas vezes pagam mais tarde esse bom êxito, mediante revezes cruéis, que a prudência as teria feito evitar.’

865. Como se explica que a boa sorte favoreça a algumas pessoas em circunstâncias com as quais nada têm que ver a vontade, nem a inteligência: no jogo, por exemplo?

‘Alguns Espíritos hão escolhido previamente certas espécies de prazer. A fortuna que os favorece é uma tentação. Aquele que, como homem, ganha; perde como Espírito. É uma prova para o seu orgulho e para a sua cupidez.’

866. Então, a fatalidade que parece presidir aos destinos materiais de nossa vida também é resultante do nosso livre-arbítrio?

‘Tu mesmo escolheste a tua prova. Quanto mais rude ela for e melhor a suportares, tanto mais te elevarás. Os que passam a vida na abundância e na ventura humana são Espíritos pusilânimes, que permanecem estacionários. Assim, o número dos desafortunados é muito superior ao dos felizes deste mundo, atento que os Espíritos, na sua maioria, procuram as provas que lhes sejam mais proveitosas. Eles veem perfeitamente bem a futilidade das vossas grandezas e gozos. Acresce que a mais ditosa existência é sempre agitada, sempre perturbada, quando mais não seja, pela ausência da dor.’

867. Donde vem a expressão: Nascer sob uma boa estrela?

‘Antiga superstição, que prendia às estrelas os destinos dos homens. Alegoria que algumas pessoas fazem a tolice de tomar ao pé da letra.’ (…)”

Resumo teórico do móvel das ações humanas

872. A questão do livre-arbítrio se pode resumir assim: O homem não é fatalmente levado ao mal; os atos que pratica não foram previamente determinados; os crimes que comete não resultam de uma sentença do destino. Ele pode, por prova e por expiação, escolher uma existência em que seja arrastado ao crime, quer pelo meio onde se ache colocado, quer pelas circunstâncias que sobrevenham, mas será sempre livre de agir ou não agir. Assim, o livre-arbítrio existe para ele, quando no estado de Espírito, ao fazer a escolha da existência e das provas e, como encarnado, na faculdade de ceder ou de resistir aos arrastamentos a que todos nos temos voluntariamente submetido. Cabe à educação combater essas más tendências. Fá-lo-á utilmente, quando se basear no estudo aprofundado da natureza moral do homem. Pelo conhecimento das leis que regem essa natureza moral, chegar-se-á a modificá-la, como se modifica a inteligência pela instrução e o temperamento pela higiene.

Desprendido da matéria e no estado de erraticidade, o Espírito procede à escolha de suas futuras existências corporais, de acordo com o grau de perfeição a que haja chegado e é nisto, como temos dito, que consiste sobretudo o seu livre-arbítrio. Esta liberdade, a encarnação não a anula. Se ele cede à influência da matéria, é que sucumbe nas provas que por si mesmo escolheu. Para ter quem o ajude a vencê-las, concedido lhe é invocar a assistência de Deus e dos bons Espíritos.

Sem o livre-arbítrio, o homem não teria nem culpa por praticar o mal, nem mérito em praticar o bem. E isto a tal ponto está reconhecido que, no mundo, a censura ou o elogio são feitos à intenção, isto é, à vontade. Ora, quem diz vontade diz liberdade. Nenhuma desculpa poderá, portanto, o homem buscar, para os seus delitos, na sua organização física, sem abdicar da razão e da sua condição de ser humano, para se equiparar ao bruto. Se fora assim quanto ao mal, assim não poderia deixar de ser relativamente ao bem. Mas, quando o homem pratica o bem, tem grande cuidado de averbar o fato à sua conta, como mérito, e não cogita de por ele gratificar os seus órgãos, o que prova que, por instinto, não renuncia, malgrado à opinião de alguns sistemáticos, ao mais belo privilégio de sua espécie: a liberdade de pensar.

A fatalidade, como vulgarmente é entendida, supõe a decisão prévia e irrevogável de todos os sucessos da vida, qualquer que seja a importância deles.

Se tal fosse a ordem das coisas, o homem seria qual máquina sem vontade.

De que lhe serviria a inteligência, desde que houvesse de estar invariavelmente dominado, em todos os seus atos, pela força do destino? Semelhante doutrina, se verdadeira, conteria a destruição de toda liberdade moral; já não haveria para o homem responsabilidade, nem, por conseguinte, bem, nem mal, crimes ou virtudes. Não seria possível que Deus, soberanamente justo, castigasse suas criaturas por faltas cujo cometimento não dependera delas, nem que as recompensasse por virtudes de que nenhum mérito teriam. Demais, tal lei seria a negação da do progresso, porquanto o homem, tudo esperando da sorte, nada tentaria para melhorar a sua posição, visto que não conseguiria ser mais nem menos.

Contudo, a fatalidade não é uma palavra vã. Existe na posição que o homem ocupa na Terra e nas funções que aí desempenha, em consequência do gênero de vida que seu Espírito escolheu como prova, expiação ou missão. Ele sofre fatalmente todas as vicissitudes dessa existência e todas as tendências boas ou más, que lhe são inerentes. Aí, porém, acaba a fatalidade, pois da sua vontade depende ceder ou não a essas tendências. Os pormenores dos acontecimentos, esses ficam subordinados às circunstâncias que ele próprio cria pelos seus atos, sendo que nessas circunstâncias podem os Espíritos influir pelos pensamentos que sugiram.

Há fatalidade, portanto, nos acontecimentos que se apresentam, por serem estes consequência da escolha que o Espírito fez da sua existência de homem. Pode deixar de haver fatalidade no resultado de tais acontecimentos, visto ser possível ao homem, pela sua prudência, modificar-lhes o curso. Nunca há fatalidade nos atos da vida moral.

No que concerne à morte é que o homem se acha submetido, em absoluto, à inexorável lei da fatalidade, por isso que não pode escapar à sentença que lhe marca o termo da existência, nem ao gênero de morte que haja de cortar a esta o fio.

Segundo a doutrina vulgar, de si mesmo tiraria o homem todos os seus instintos, que, então, proviriam, ou da sua organização física, pela qual nenhuma responsabilidade lhe toca, ou da sua própria natureza, caso em que lícito lhe fora procurar desculpar-se consigo mesmo, dizendo não lhe pertencer a culpa de ser feito como é. Muito mais moral se mostra, indiscutivelmente, a Doutrina Espírita. Ela admite no homem o livre-arbítrio em toda a sua plenitude e, se lhe diz que, praticando o mal, ele cede a uma sugestão estranha e má, em nada lhe diminui a responsabilidade, pois lhe reconhece o poder de resistir, o que evidentemente lhe é muito mais fácil do que lutar contra a sua própria natureza. Assim, de acordo com a Doutrina Espírita, não há arrastamento irresistível: o homem pode sempre cerrar ouvidos à voz oculta que lhe fala no íntimo, induzindo-o ao mal, como pode cerrá-los à voz material daquele que lhe fale ostensivamente. Pode-o pela ação da sua vontade, pedindo a Deus a força necessária e reclamando, para tal fim, a assistência dos bons Espíritos. Foi o que Jesus nos ensinou por meio da sublime prece que é a Oração dominical, quando manda que digamos: “Não nos deixes sucumbir à tentação, mas livra-nos do mal.”

Essa teoria da causa determinante dos nossos atos ressalta com evidência de todo o ensino que os Espíritos hão dado. Não só é sublime de moralidade, mas também, acrescentaremos, eleva o homem aos seus próprios olhos. Mostra-o livre de subtrair-se a um jugo obsessor, como livre é de fechar sua casa aos importunos. Ele deixa de ser simples máquina, atuando por efeito de uma impulsão independente da sua vontade, para ser um ente racional, que ouve, julga e escolhe livremente de dois conselhos um. Aditemos que, apesar disto, o homem não se acha privado de iniciativa, não deixa de agir por impulso próprio, pois que, em definitivo, ele é apenas um Espírito encarnado que conserva, sob o envoltório corporal, as qualidades e os defeitos que tinha como Espírito. Conseguintemente, as faltas que cometemos têm por fonte primária a imperfeição do nosso próprio Espírito, que ainda não conquistou a superioridade moral que um dia alcançará, mas que, nem por isso, carece de livre-arbítrio. A vida corpórea lhe é dada para se expungir de suas imperfeições, mediante as provas por que passa, imperfeições que, precisamente, o tornam mais fraco e mais acessível às sugestões de outros Espíritos imperfeitos, que delas se aproveitam para tentar fazê-lo sucumbir na luta em que se empenhou. Se dessa luta sai vencedor, ele se eleva; se fracassa, permanece o que era, nem pior, nem melhor. Será uma prova que lhe cumpre recomeçar, podendo suceder que longo tempo gaste nessa alternativa. Quanto mais se depura, tanto mais diminuem os seus pontos fracos e tanto menos acesso oferece aos que procurem atraí-lo para o mal. Na razão de sua elevação, cresce-lhe a força moral, fazendo que dele se afastem os maus Espíritos.

Todos os Espíritos, mais ou menos bons, quando encarnados, constituem a espécie humana e, como o nosso mundo é um dos menos adiantados, nele se conta maior número de Espíritos maus do que de bons. Tal a razão por que aí vemos tanta perversidade. Façamos, pois, todos os esforços para a este planeta não voltarmos, após a presente estada, e para merecermos ir repousar em mundo melhor, em um desses mundos privilegiados, onde não nos lembraremos da nossa passagem por aqui, senão como de um exílio temporário.”

Bibliografia:

KARDEC, Allan; tradução de Guillon Ribeiro. O Livro dos Espíritos. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2019.

MOURA, Marta Antunes de Oliveira de (organizadora). Estudo aprofundado da doutrina espírita: espiritismo, o consolador prometido por Jesus. Livro IV. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2016.

MOURA, Marta Antunes de Oliveira de (Organizadora). Estudo aprofundado da Doutrina Espírita: filosofia e ciências espíritas. Livro V 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2017.

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