Esta reflexão apoia-se no Capítulo XIV de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, de Allan Kardec, que tem como título “honrai a vosso pai e a vossa mãe”.
O “honrai a vosso pai e a vossa mãe” está no contexto da caridade e do amor ao próximo, pois se não consigo amar o meu pai e a minha mãe como poderei amar o próximo.
O “honrai” tem sentido mais amplo, indo além do dever para com os pais, tratando-se de evidenciar a piedade filial. O amor junta-se ao respeito, às atenções, à submissão e à condescendência na obrigação de cumprir-se para com eles tudo o que a caridade exige.
Honrar pai e mãe é assisti-los na necessidade, proporcionar-lhes repouso na velhice, cercá-los de cuidados, como eles fizeram conosco na infância, e sobretudo demonstrar a verdadeira piedade filial.
Os filhos não devem aos pais somente o estritamente necessário, devem-lhes também as solicitudes e os cuidados amáveis. Essa é a piedade filial grata a Deus.
O ingrato que esquece o seu dever para com os pais passará por duras privações e será punido com ingratidão e abandono, quer na existência atual ou em outra, porquanto sofrerá o que houver feito aos outros.
Alguns pais descuidaram de seus deveres perante os filhos, mas a Deus compete puni-los e não os filhos. Não compete aos filhos censurá-los, porque talvez tenham merecido que aqueles fossem como se mostram.
A lei da caridade manda que se pague o mal com o bem. Portanto, seja indulgente para as imperfeições de outrem, principalmente para com os pais. Esqueçam e perdoem os agravos, ainda mais em se tratando de filhos para com os pais.
Os filhos devem seguir as mesmas regras de conduta referentes ao amor para com o próximo como para os seus pais, e todo procedimento censurável com relação aos estranhos vale mais em relação aos pais.
Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?
“E, tendo vindo para casa, reuniu-se aí tão grande multidão, que eles nem sequer podiam fazer sua refeição. Quando seus familiares ouviram falar disso, saíram para trazê-lo à força, pois diziam: ‘ele está fora de si’. (…) Entretanto, tendo vindo sua mãe e seus irmãos e conservando-se do lado de fora, mandaram chamá-lo. Ora, o povo se assentara em torno dele e lhe disseram: “tua mãe e teus irmãos estão lá fora e te chamam.” – Ele lhes respondeu: ‘quem é minha mãe e quem são meus irmãos?’ – E, perpassando o olhar pelos que estavam assentados ao seu derredor, disse: “eis aqui minha mãe e meus irmãos; pois, todo aquele que faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”. (Marcos, 3: 20, 21, 31 a 35; Mateus, 12: 46-50)
Do texto Evangélico, verifica-se que uma interpretação apressada e equivocada das palavras de Jesus pode parecer estranha e contraditória diante da sua benevolência para com todos, pois não seria possível que o Mestre fosse incoerente em seus ensinos. Não poderia Jesus mostrar-se indiferente para com os seus parentes e renegasse a sua mãe e os seus irmãos.
O Espírito Emmanuel, em “O Consolador”, na psicografia de Francisco Cândido Xavier, na questão 342, se “A resposta de Jesus aos seus discípulos ‘Quem é minha mãe e quem são os meus irmãos’, é um incitamento à edificação da fraternidade universal?”, a resposta é “- O Senhor referia-se à precariedade dos laços de sangue, estabelecendo a fórmula do amor, a qual não deve estar circunscrita ao ambiente particular, mas ligada ao ambiente universal, em cujas estradas deveremos observar e ajudar, fraternalmente, a todos os necessitados, desde os aparentemente mais felizes, aos mais desvalidos da sorte”.
Pelos esclarecimentos do Espírito Emmanuel, o ensino do Mestre estava na diferença existente entre a parentela corporal e a espiritual, em que a precariedade dos laços de sangue, circunscrita ao ambiente particular, sucumbe em relação à fraternidade universal.
Supor que Ele haja renegado a sua mãe e os seus irmãos é desconhecer o caráter da sua missão. Ao contrário, Jesus disse: “honrai a vosso pai e a vossa mãe”.
Os laços de sangue não criam forçosamente os laços de Espíritos. O corpo procede do corpo, mas o Espírito não procede do Espírito, porquanto o Espírito já existia antes da formação do corpo. Embora os pais contribuam para a formação do invólucro corpóreo, não são eles quem criam os Espíritos dos filhos. Cumprindo-lhes auxiliar no desenvolvimento intelectual e moral dos filhos e fazê-los progredir.
Os seres que encarnam em uma mesma família, ou como parentes próximos, são, na maioria das vezes, Espíritos simpáticos ligados por anteriores relações que se expressam por uma afeição recíproca na vida terrena. Ou pode acontecer que esses Espíritos sejam completamente estranhos uns aos outros, afastados entre si por antipatias igualmente anteriores, que se traduzem na Terra por mútuo antagonismo, que aí lhes serve de provação.
Não são as ligações consanguíneas os verdadeiros laços de família, mas sim os da simpatia e da comunhão de ideias, os quais prendem os Espíritos antes, durante e depois de suas encarnações.
Segue-se que dois seres nascidos de pais diferentes podem ser mais irmãos pelos Espíritos do que se o fossem pelo sangue. Podem então atrair-se, buscar-se e sentir prazer quando juntos, ao passo que dois irmãos consanguíneos podem repelir-se.
Há, pois, duas espécies de famílias: as famílias pelos laços espirituais e as famílias pelos laços corporais. Duráveis, as famílias pelos laços espirituais se fortalecem pela purificação e se perpetuam no mundo dos Espíritos através das várias migrações da alma.
As famílias por laços corporais são frágeis como a matéria, extinguem-se com o tempo e muitas vezes se dissolvem moralmente já na existência atual.
Foi o que Jesus quis tornar compreensível dizendo a seus discípulos: aqui estão minha mãe e meus irmãos, isto é, minha família pelos laços do Espírito, pois todo aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus é meu irmão, minha irmã e minha mãe.
A hostilidade de seus irmãos acha-se claramente expressa na narração de Marcos quando seus familiares saíram para trazê-lo à força, pois achavam que Ele está fora de si; e ainda no Evangelho de João: “porque nem mesmo seus irmãos criam nele” (João 7: 5).
Informado da chegada deles, conhecendo os sentimentos de seus irmãos, era natural que Jesus dissesse, referindo-se a seus discípulos, do ponto de vista espiritual: “eis aqui meus verdadeiros irmãos”.
Embora na companhia daqueles estivesse a sua mãe, Ele generalizava o ensino que de maneira alguma implicaria declarar que a sua mãe nada lhe era como Espírito. Provou o contrário em várias outras circunstâncias.
Jesus colocava a sua missão acima de tudo, aproveitando todas as circunstâncias e situações para deixar os seus ensinos e esclarecer que, antes de qualquer parentesco biológico, somos todos irmãos pela paternidade divina. O que faz a ligação espiritual é a afinidade de sentimentos, pensamentos e ideias, e não os laços de sangue.
As famílias consanguíneas se desfazem, mas se inseridas na família espiritual elas se ampliam a caminho da família universal.
Assim, do Mestre não houve indiferença ou desprezo em relação à sua mãe e aos seus irmãos, mas sim destacou a irmandade de todos como filhos de um mesmo Pai. Por isso, devemos aprender a sermos irmãos, pais, mães de qualquer um, quando alguém estiver necessitando de um irmão, de um pai, de uma mãe.
Bibliografia:
BÍBLIA SAGRADA.
EMMANUEL (Espírito); na psicografia de Francisco Cândido Xavier. O Consolador. 29ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2019.
KARDEC, Allan; tradução de Guillon Ribeiro. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2019.