Por ocasião da morte, os Espíritos não deixam os corpos despidos de todo o envoltório. Eles conservam as formas humanas e aparecem como eram conhecidos.
Quando deixam a vida, acham-se em estado de perturbação espiritual, pois tudo se apresenta confuso. Veem os corpos que tiveram perfeitos ou alterados, conforme o gênero da morte. Por outro lado, reconhecem-se e sentem-se vivos. Algo diz que os corpos lhes pertencem, mas não compreendem como podem estar separados deles. Como se veem sob a forma que tinham, produz em alguns, durante certo tempo, a ilusão de que ainda estariam vivos. Falta-lhes a experiência do novo estado em que se encontram, para se convencerem da realidade.
A consciência da morte recente ainda não é nítida para a maioria dos Espíritos. O desprendimento opera gradualmente e com lentidão variável, segundo os indivíduos e as circunstâncias da morte. Os laços que prendem a alma ao corpo se rompem aos poucos, tanto menos rápido quanto mais a vida foi material e sensual.
Desconhecendo a realidade do além-túmulo, o Espírito precisa de algum tempo para se reconhecer. A perturbação assemelha-se ao estado que sai de profundo sono, procurando compreender a sua situação. A lucidez das ideias e a memória do passado voltam à medida que se destrói a influência da matéria que acaba de separar e quando se dissipa o nevoeiro que obscurece os pensamentos.
O tempo de perturbação pode ser de horas, dias, meses ou anos. É menor naqueles que, enquanto vivos, se identificaram com o seu estado futuro, porque esses compreendem imediatamente a sua situação. Porém, é mais longo quanto mais materialmente o indivíduo viveu.
A perturbação é variável de indivíduo para indivíduo, em grau e tempo de duração. Tudo depende da elevação de cada um.
Aquele que já está purificado reconhece-se quase imediatamente.
A quem a consciência não é pura e amou mais a vida corporal que a espiritual, esse momento é cheio de ansiedade e angústias, que vai aumentando à medida que ele se reconhece, porque sente medo e certo terror diante do que vê e sobretudo do que entrevê.
A sensação física é de alívio e bem-estar, como que livre e desembaraçado de um fardo. O Espírito sente-se feliz por não mais experimentar as dores corporais que o atormentavam.
Em sua nova situação, a alma vê e ouve outras coisas que escapam à grosseria dos órgãos corporais, tendo sensações e percepções que nos são desconhecidas.
Os Espíritos de certa inferioridade moral acreditam-se ainda vivos, podendo esta ilusão prolongar-se por muitos anos, durante os quais eles experimentarão todas as necessidades, todos os tormentos e perplexidades da vida.
Para o criminoso, a presença incessante das vítimas e das circunstâncias do crime é um suplício cruel.
Nos casos de morte violenta, por suicídio, suplício, acidente, apoplexia, ferimentos, etc., o Espírito fica surpreendido, espantado e não acredita estar morto. Obstinadamente sustenta que não o está. Vê o seu corpo e reconhece-o como seu, mas não compreende que se ache separado dele. Acerca-se das pessoas a quem estima, fala-lhes e não percebe por que não o ouvem. Esta ilusão prolonga-se até o completo desprendimento do perispírito, momento em que o Espírito reconhece-se como tal e compreende que não pertence mais ao número dos vivos.
Surpreendido de improviso pela morte, o Espírito fica atordoado com a brusca mudança. A morte é sinônimo de destruição. Porque pensa, vê e ouve, tem a sensação de não estar morto. Aumenta-lhe a ilusão o fato de se ver com um corpo semelhante, na forma, cuja natureza etérea ainda não teve tempo de estudar. Julga-o sólido e compacto e quando se lhe chama a atenção para esse ponto admira-se de não poder palpá-lo.
Certos Espíritos em que a morte não sobreveio inopinadamente revelam essa mesma particularidade, sendo mais generalizada entre os que, embora doentes, não pensavam em morrer.
Há também Espíritos que assistem ao seu próprio enterro como se fora de um estranho, falando desse ato como de coisa que lhe não diz respeito, até ao momento em que compreendem a verdade.
A perturbação dos suicidas é sempre penosa, independente do gênero de suicídio. Os efeitos do suicídio não são idênticos. Os efeitos comuns são as consequências da interrupção brusca da vida. Nos casos dos suicidas, há a persistência mais prolongada e tenaz do laço que une o Espírito ao corpo, por estar quase sempre esse laço na plenitude da sua força no momento em que é partido. As consequências deste estado de coisas são o prolongamento da perturbação espiritual, seguindo-se à ilusão de que o Espírito ainda pertence ao número dos vivos.
A afinidade que permanece entre o Espírito e o corpo produz, em alguns suicidas, uma espécie de repercussão do estado do corpo no Espírito, que sente os efeitos da decomposição, resultando uma sensação de angústias e horror, estado que também pode durar pelo tempo que devia durar a vida que sofreu interrupção. Não é geral este efeito.
Em alguns, verifica-se uma espécie de ligação à matéria, de que inutilmente procuram desembaraçar-se, a fim de voarem para mundos melhores, cujo acesso, porém, se lhes conserva interdito. A maior parte deles sofre o pesar de haver feito uma coisa inútil, pois que só decepções encontram.
Nos casos de morte coletiva, tem sido observado que todos os que perecem ao mesmo tempo nem sempre tornam a ver-se logo. Presas da perturbação que se segue à morte, cada um vai para seu lado, ou só se preocupa com os que lhe interessam.
Allan Kardec alerta para um despertar mais tranquilo, convidando-nos a trabalhar na nossa purificação, reprimindo as más tendências e dominado as paixões. Para tanto, é preciso abdicar das vantagens imediatas em prol do futuro para identificar-se com a vida espiritual, encaminhando para ela todas as aspirações e preferindo-a à vida terrena.
Considerar tudo isso para satisfazer à razão, à lógica, ao bom senso e ao conceito que temos da grandeza, bondade e justiça de Deus.
A vida futura é realidade que se desenrola aos nossos olhos. Pouco importam os incidentes da jornada se compreendemos a causa e utilidade das vicissitudes humanas, quando suportadas com resignação.
Para a alma que se eleva nas relações no mundo visível, os laços fluídicos que se ligam à matéria enfraquecem, operando-se por antecipação desprendimento parcial que facilita a passagem para a outra vida. A perturbação consequente à transição pouco perdura, porque logo se reconhece, nada estranhando, antes compreendendo, a sua nova situação.
Bibliografia:
KARDEC, Allan; tradução de Guillon Ribeiro. O Livro dos Espíritos. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2019.
MOURA, Marta Antunes de Oliveira de (Organizadora). Mediunidade: estudo e prática. Programa I. 2ª Edição. Brasília/DF, Federação Espírita Brasileira, 2018.
ROCHA, Cecília (Organizadora). Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita: programa complementar. Tomo Único. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2018.