“Estes dois fenômenos são variedades do das manifestações visuais e, por muito maravilhosos que pareçam à primeira vista, facilmente se reconhecerá, pela explicação que deles se pode dar, que não estão fora da ordem dos fenômenos naturais. Assentam ambos no princípio de que tudo o que ficou dito das propriedades do perispírito após a morte se aplica ao perispírito dos vivos. Sabemos que durante o sono o Espírito readquire parte da sua liberdade, isto é, isola-se do corpo e é nesse estado que, em muitas ocasiões, se tem ensejo de observá-lo. Mas o Espírito, quer o homem esteja vivo, quer morto, traz sempre o envoltório semimaterial que, pelas mesmas causas de que já tratamos, pode tornar-se visível e tangível”. (Allan Kardec. O Livro dos Médiuns, Capítulo VII, Da bicorporeidade e da transfiguração)
Bicorporeidade
Na bicorporeidade, o encarnado desliga-se parcialmente do seu corpo físico e, enquanto este permanece adormecido em um local, o Espírito se desloca no espaço, tornando-se visível em outra localidade, às vezes muito distante de onde está o seu corpo. A visibilidade pode ser rápida e fugaz, ou nítida e prolongada.
Este tipo de emancipação da alma é muito comum quando se aproxima a hora da desencarnação. O Espírito sente necessidade de ir ao encontro de entes queridos para despedir-se.
Entre nós, no Brasil, são notáveis as histórias de bicorporeidade do estimado espírita e educador mineiro, Eurípedes Barsanulfo (1880 – 1918), que, ao sair do corpo, tornava-se tangível a outros encarnados para auxiliá-los em suas múltiplas necessidades. Em geral, as pessoas assistidas desconheciam o fato de que se tratava da visita de um Espírito encarnado materializado, cujo corpo físico encontrava-se adormecido no leito de sua casa, em Sacramento-MG, cidade onde Eurípedes residia.
O desdobramento espiritual leve, isto é, sem tangibilidade, ocorre com relativa frequência nas reuniões mediúnicas usuais da Casa Espírita, sobretudo entre os médiuns videntes e os psicofônicos. Às vezes, o encarnado se desloca até o local onde um acontecimento está ocorrendo ou se posiciona ao lado do Espírito comunicante, fornecendo, mais tarde, detalhes do que percebeu no ambiente espiritual da reunião, ou fora desta.
Em outras situações, mais comuns, o encarnado sai do corpo e assiste a uma projeção de acontecimentos ou fatos, transmitidos em uma tela muito semelhante à utilizada nas projeções de multimídia ou de cinema. Esta última possibilidade se revela importante para melhor compreender o sofrimento do Espírito comunicante, e auxiliá-lo adequadamente, ao acompanhar ações cometidas por ele no passado e que agora se refletem no presente.
As faculdades mediúnicas de Santo Antônio de Pádua são inegáveis, tanto que são inúmeros os “milagres” atribuídos a ele cujos registros levaram à sua canonização. Sobre a capacidade de bicorporeidade de Santo Antônio, Allan Kardec destaca a seguinte história em “O Livro dos Médiuns”:
“Santo Antônio de Pádua estava pregando na Itália, quando seu pai, em Lisboa, ia ser supliciado, sob a acusação de haver cometido um assassínio. No momento da execução, Santo Antônio aparece e demonstra a inocência do acusado. Comprovou-se que, naquele instante, Santo Antônio pregava na Itália, na cidade de Pádua.”
O codificador solicita ao orientador espiritual que se apresenta como Santo Afonso uma explicação para o fato de Antônio estar em dois lugares ao mesmo tempo segundo as narrativas e a resposta nos mostra a grandeza dessa alma
“Por nós evocado e interrogado acerca do fato acima, Santo Afonso respondeu do seguinte modo:
1ª Poderias explicar-nos esse fenômeno?
“Perfeitamente. Quando o homem, por suas virtudes, chegou a desmaterializar-se completamente; quando conseguiu elevar sua alma para Deus, pode aparecer em dois lugares ao mesmo tempo. Eis como: o Espírito encarnado, ao sentir que lhe vem o sono, pode pedir a Deus lhe seja permitido transportar-se a um lugar qualquer. Seu Espírito, ou sua alma, como quiseres, abandona então o corpo, acompanhado de uma parte do seu perispírito, e deixa a matéria imunda num estado próximo do da morte. Digo próximo do da morte, porque no corpo ficou um laço que liga o perispírito e a alma à matéria, laço este que não pode ser definido. O corpo aparece, então, no lugar desejado. Creio ser isto o que queres saber.”
2ª Isso não nos dá a explicação da visibilidade e da tangibilidade do perispírito.
“Achando-se desprendido da matéria, conformemente ao grau de sua elevação, pode o Espírito tornar-se tangível à matéria.”
3ª Será indispensável o sono do corpo, para que o Espírito apareça noutros lugares?
“A alma pode dividir-se quando se sinta atraída para lugar diferente daquele onde se acha seu corpo. Pode acontecer que o corpo não se ache adormecido, se bem seja isto muito raro, mas, em todo caso, não se encontrará num estado perfeitamente normal; será sempre um estado mais ou menos extático.”
4ª Que sucederia se, estando o homem a dormir, enquanto seu Espírito se mostra noutra parte, alguém de súbito o despertasse?
“Isso não se verificaria, porque, se alguém tivesse a intenção de o despertar, o Espírito retornaria ao corpo, prevendo a intenção, porquanto o Espírito lê os pensamentos.” (Allan Kardec. O Livro dos Médiuns, Capítulo VII, Da bicorporeidade e da transfiguração)
Transfiguração
“Para nós, o perispírito, no seu estado normal, é invisível; mas, como é formado de substância etérea, o Espírito, em certos casos, pode, por ato da sua vontade, fazê-lo passar por uma modificação molecular que o torna momentaneamente visível”. (…)
“Podendo o Espírito operar transformações na contextura do seu envoltório perispirítico e irradiando-se esse envoltório em torno do corpo qual atmosfera fluídica, pode produzir-se na superfície mesma do corpo um fenômeno análogo ao das aparições. Pode a imagem real do corpo apagar-se mais ou menos completamente, sob a camada fluídica, e assumir outra aparência; ou, então, vistos através da camada fluídica modificada, os traços primitivos podem tomar outra expressão.
Se, saindo do terra a terra, o Espírito encarnado se identifica com as coisas do mundo espiritual, pode a expressão de um semblante feio tornar-se bela, radiosa e até luminosa; se, ao contrário, o Espírito é presa de paixões más, um semblante belo pode tomar um aspecto horrendo.
Assim se operam as transfigurações, que refletem sempre qualidades e sentimentos predominantes no Espírito. O fenômeno resulta, portanto, de uma transformação fluídica; é uma espécie de aparição perispirítica, que se produz sobre o próprio corpo do vivo e, algumas vezes, no momento da morte, em lugar de se produzir ao longe, como nas aparições propriamente ditas. O que distingue as aparições desse gênero é o serem, geralmente, perceptíveis por todos os assistentes e com os olhos do corpo, precisamente por se basearem na matéria carnal visível, ao passo que, nas aparições puramente fluídicas, não há matéria tangível”. (Allan Kardec. A Gênese. Os fluidos, Aparições. Transfigurações)
Assim, na transfiguração,acontece o fenômeno da mudança de aspecto de um corpo vivo.
O melhor e maior exemplo de transfiguração de que temos notícia foi a de Jesus, ocorrida no Monte Tabor, na qual “o rosto e as vestes do Senhor resplandeceram como o sol”. Este fenômeno foi amplamente anunciado por Mateus (17: 1 a 9), Marcos (9: 2 a 8), Lucas (9: 28 a 36) e por Pedro em sua segunda epístola (II Pedro, 1: 16-18).
Bibliografia:
KARDEC, Allan; tradução de Evandro Noleto Bezerra. A Gênese. 2ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2013.
KARDEC, Allan; tradução de Guillon Ribeiro. O Livro dos Espíritos. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2019.
KARDEC, Allan; tradução de Guillon Ribeiro. O Livro dos Médiuns. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2019.
MOURA, Marta Antunes de Oliveira de (Organizadora). Mediunidade: estudo e prática. Programa I. 2ª Edição. Brasília/DF, Federação Espírita Brasileira, 2018.
ROCHA, Cecília (Organizadora). Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita: programa complementar. Tomo Único. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2018.