“Dê a quem pede, e não volte as costas àquele que deseja pedir algo emprestado.” (Mateus, 5: 42)
“Dê a todo aquele que pedir, e se alguém tirar o que pertence a você, não lhe exija que o devolva.” (Lucas, 6: 30)
No cotidiano, quantos vezes somos abordados por alguém pedindo algo, podendo ser ajuda, palavra amiga, dinheiro, comida ou um outro tipo de caridade. Diante dessa situação, pensamos, na mesma rapidez da abordagem, o que fazer, supondo que aquele interlocutor pode estar precisando realmente do que pede ou se ele está enganando com má intenção. Essa dúvida poderá incentivar ou afastar o ato de caridade, deixando passar uma oportunidade de se praticar o bem incondicionalmente.
Não raro, alguém cruza o seu caminho para testar a sua capacidade de praticar a caridade para com o próximo, mas, dependendo do seu julgamento, uma barreira poderá ser erguida entre você e o pedinte.
Para algumas pessoas, mesmo sem poder ler o pensamento de quem pede e saber a sua intenção, fazer caridade a alguém proporciona uma sensação agradável por ter realizado o bem, trazendo uma paz interior. Por outro lado, quem pede, diante do auxílio recebido, precisa fazer a sua parte para melhorar: levantar-se, andar e seguir em frente no caminho que conduz ao Pai.
Não podemos esquecer que a caridade envolve atos materiais e morais, que se complementam no amor ao próximo, como no episódio em que Pedro e João subiam ao Templo para orar, quando foi levado a eles um coxo que se colocava como pedinte na porta daquele lugar sagrado. Vendo Pedro e João, o coxo pediu-lhes uma esmola.
Os Apóstolos falaram ao necessitado para que ele olhasse nos seus olhos. Magnetizados pelo olhar, Pedro disse: “não tenho prata nem ouro, mas o que tenho, isso te dou. Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta-te e anda. E tomando-o pela mão direita, o levantou, e logo seus pés e tornozelos se firmaram. E saltando, ele pôs-se em pé, andou e entrou com eles no Templo andando, saltando e louvando a Deus” (Atos, 3: 8).
Nessa passagem, Pedro disse ao coxo que não trazia bens materiais, mas o que ele tinha podia dar. Em nome de Jesus, Pedro dá o comando ao coxo para levantar-se e andar. E o coxo se levanta e anda.
Na verdade, o que o coxo mais necessitava não eram os bens materiais, mas sim os bens espirituais para se levantar e andar. Muitas vezes, estamos presos aos bens materiais, mas o que liberta é a luz divina que ilumina o ser dentro do seu íntimo. Pedro estendeu a sua mão auxiliando o coxo a levantar-se e andar, libertando-o das amarras da vida para começar a caminhar.
Pela caridade praticada, o bem realizado a alguém retornará, de alguma maneira, a quem o praticou, seja nessa ou na vida futura. Se formos caridosos, obteremos caridade, pois o que oferecemos à vida, ela nos restitui. Devedores que somos perante a lei de Deus, a caridade praticada por nós voltará em nosso benefício, atenuando os nossos débitos. É dando que se recebe. É perdoando que se é perdoado. Tudo aquilo que fazemos voltará para nós mesmos. Essa é uma das razões para sermos caridosos para com os nossos semelhantes, já que, muitas vezes, necessitamos dessa mesma caridade.
Em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, de Allan Kardec, no Capítulo XIII, em “Não saiba a vossa mão esquerda o que dê a vossa mão direita”, nas “Instruções dos Espíritos”, no texto “A caridade material e a caridade moral”, destacamos:
“Auxiliai os infelizes o melhor que puderdes. Dai, para que Deus, um dia, vos retribua o bem que houverdes feito, para que tenhais, ao sairdes do vosso invólucro terreno, um cortejo de Espíritos agradecidos, a receber-vos no limiar de um mundo mais ditoso.
Se pudésseis saber da alegria que experimentei ao encontrar no Além aqueles a quem, na minha última existência, me fora dado servir!…
Amai, portanto, o vosso próximo; amai-o como a vós mesmos, pois já sabeis, agora, que, repelindo um desgraçado, estareis, quiçá, afastando de vós um irmão, um pai, um amigo vosso de outrora. Se assim for, de que desespero não vos sentireis presa, ao reconhecê-lo no mundo dos Espíritos!
Desejo compreendais bem o que seja a caridade moral, que todos podem praticar, que nada custa, materialmente falando, porém, que é a mais difícil de exercer-se.
A caridade moral consiste em se suportarem umas às outras as criaturas e é o que menos fazeis nesse mundo inferior, onde vos achais, por agora, encarnados. Grande mérito há, crede-me, em um homem saber calar-se, deixando fale outro mais tolo do que ele. É um gênero de caridade isso. Saber ser surdo quando uma palavra zombeteira se escapa de uma boca habituada a escarnecer; não ver o sorriso de desdém com que vos recebem pessoas que, muitas vezes erradamente, se supõem acima de vós, quando na vida espírita, a única real, estão, não raro, muito abaixo, constitui merecimento, não do ponto de vista da humildade, mas do da caridade, porquanto não dar atenção ao mau proceder de outrem é caridade moral.
Essa caridade, no entanto, não deve obstar à outra. Tende, porém, cuidado, principalmente em não tratar com desprezo o vosso semelhante. Lembrai-vos de tudo o que já vos tenho dito: Tende presente sempre que, repelindo um pobre, talvez repilais um Espírito que vos foi caro e que, no momento, se encontra em posição inferior à vossa. Encontrei aqui um dos pobres da Terra, a quem, por felicidade, eu pudera auxiliar algumas vezes, e ao qual, a meu turno, tenho agora de implorar auxílio.
Lembrai-vos de que Jesus disse que todos somos irmãos e pensai sempre nisso, antes de repelirdes o leproso ou o mendigo. Adeus: pensai nos que sofrem e orai. – Irmã Rosália. (Paris, 1860.)”
Rodolfo Calligaris, no livro “O Sermão da Montanha: à luz da Doutrina Espírita”, no Capítulo 21, em “Dá a quem te pede”, enfrenta essas questões com o seguinte texto:
“O oitavo mandamento prescreve: ‘não furtarás’.
Proíbe, assim, que nos apoderemos de coisa alheia sem consentimento do dono dela. Incrimina, igualmente, todo e qualquer processo fraudulento, como as falsificações, as trapaças, as sonegações, os lucros exorbitantes, a falta de exatidão em pesos e medidas etc., de que possamos valer-nos para subtrair, em nosso proveito, aquilo que é de outrem.
Jesus, aprimorando essa regra de conduta, acrescenta: ‘Dá a quem te pede e não voltes as costas ao que deseja que lhe emprestes’. (Mateus, 5:42)
Em Lucas (6:30, 34 e 35), o ensinamento é ainda mais expressivo:
‘Dai a todo o que vos pedir, e ao que tomar o que é vosso, não lhe torneis a pedir. Se emprestardes àqueles de quem esperais receber, que merecimento tereis? Até os pecadores emprestam uns aos outros, para que se lhes faça outro tanto. Emprestai, sem esperardes nada: grande será a vossa recompensa e sereis filhos do Altíssimo, que faz bem aos mesmos que lhe são ingratos e maus.’
Com essas palavras, o Mestre deixou claro que, para sermos cristãos autênticos, é insuficiente não cometermos furtos nem defraudarmos o nosso próximo. Temos de deixar de ser avarentos e egoístas, servindo com boa vontade aos que nos batam à porta, premidos por uma necessidade qualquer, sem daí esperarmos nenhuma vantagem ou retribuição.
Não se trata de dar indiscriminadamente a quantos apelem para a nossa caridade. Muitos existem que esmolam por vadiagem e sem-vergonhice. A esses, nossas dádivas farão mais mal do que bem, porquanto irão contribuir para que se mantenham na ociosidade, quando bom seria que se vissem obrigados a trabalhar, não só para que se aliviassem os encargos da sociedade, como principalmente para que eles, os profissionais da mendicância, adquirissem o necessário sentimento de dignidade pessoal.
Essa cautela, todavia, precisa ter limites; não deve traduzir-se em negativas sistemáticas, nem em devassas na vida alheia.
Em caso de dúvida quanto à veracidade dos que alegam estar em situação difícil, cedamos ao impulso do coração, e ajudemos como e quanto pudermos.
É melhor errar, beneficiando a quem não merecia, do que errar, deixando de acudir a um verdadeiro necessitado.
Na primeira hipótese, a responsabilidade perante Deus é de quem nos ilaqueou a boa-fé; na segunda, é nossa.
Outrossim, guardemo-nos de escorchar os que de nós se socorram, exigindo-lhes juros que não possam pagar senão diminuindo o pão à mesa. Abstenhamo-nos, também, de qualquer violência contra os que não possam restituir-nos o que lhes houvermos emprestado.
Se assim agirmos, sendo benignos com o próximo, mereceremos ser chamados filhos do Altíssimo e grande será o nosso galardão no Reino dos Céus.”
Ainda acerca desse tema, o Espírito Emmanuel, na psicografia de Francisco Cândido Xavier, em “Dar”, traz mais luzes para os ensinamentos necessários:
“E dá a qualquer que te pedir; e, ao que tomar o que é teu, não lho tornes a pedir.” (Lucas, 6:30)
O ato de dar é dos mais sublimes nas operações da vida; entretanto, muitos homens são displicentes e incompreensíveis na execução dele.
Alguns distribuem esmolas levianamente, outros se esquecem da vigilância, entregando seu trabalho a malfeitores.
Jesus é nosso Mestre nas ocorrências mínimas. E se ouvimo-lo recomendando estejamos prontos a dar ‘a qualquer’ que pedir, vemo-lo atendendo a todas as criaturas do seu caminho, não de acordo com os caprichos, mas segundo as necessidades.
Concedeu bem-aventuranças aos aflitos e advertências aos vendilhões. Certo, os mercadores de má-fé, no íntimo, rogavam-lhe a manutenção do status quo, mas sua resposta foi eloquente. Deu alegrias nas bodas de Caná e repreensões em assembleias dos discípulos. Proporcionou a cada situação e a cada personalidade o que necessitavam e, quando os ingratos lhe tomaram o direito da própria vida, aos olhos da humanidade, não voltou o Cristo a pedir-lhes que o deixassem na obra começada.
Deu tudo o que se coadunava com o bem. E deu com abundância, salientando-se que, sob o peso da cruz, conferiu sublime compreensão à ignorância geral, sem reclamação de qualquer natureza, porque sabia que o ato de dar vem de Deus e nada mais sagrado que colaborar com o Pai que está nos céus.” (Caminho, verdade e vida. FEB Editora. Cap 106)
Emmanuel, na psicografia de Francisco Cândido Xavier, em “Autoaxílio”, ensina:
“Saibamos improvisar bondade e apreço a benefício daqueles que nos cercam, ainda mesmo nas manifestações aparentemente insignificantes da vida.
Uma saudação afetuosa, a frase articulada com brandura, a ligeira informação doada com a alegria de ser útil ou diminuta parcela de solidariedade não constituem auxílio tão somente para aqueles que as recebem, mas também para aqueles que as formulam.
O impacto do agradecimento alheio se define por ondas confortativas e balsâmicas em nosso favor, tanto quanto o azedume ou o desconforto que tenhamos provocado em alguém retornarão para nós em forma de espinhos magnéticos, dilacerando-nos os tecidos da alma ou dilapidando-nos as forças.
Ninguém precisa recorrer à hipocrisia para assegurar o culto da gentileza. Bastar-nos-á praticar respeito e consideração para com a liberdade do próximo, no veículo da paciência, a fim de resguardarmos saúde e tranquilidade contra duelos e feridas mentais inúteis.
Auxiliemo-nos, auxiliando a harmonia dos outros!…
Ninguém vive construtivamente sem contato com os semelhantes, mas isso não é tudo. Precisamos igualmente de tato para servir e aprender, melhorar e conviver.” (Reformador, jul. 1968, p. 146)
Por fim, Emmanuel, na psicografia de Francisco Cândido Xavier, em “Caridade essencial”, esclarece:
“Em todos os lugares e situações da vida, a caridade será sempre a fonte divina das bênçãos do Senhor.
Quem dá o pão ao faminto e água ao sedento, remédio ao enfermo e luz ao ignorante, está colaborando na edificação do Reino Divino, em qualquer setor da existência ou da fé religiosa a que foi chamado.
A voz compassiva e fraternal que ilumina o espírito é irmã das mãos que alimentam o corpo.
Assistência, medicação e ensinamento constituem modalidades santas da caridade generosa que executa os programas do bem. São vestiduras diferentes de uma virtude única. Conjugam-se e completam-se num todo nobre e digno.
Ninguém pode assistir a outrem, com eficiência, se não procurou a edificação de si mesmo; ninguém medicará, com proveito, se não adquiriu o espírito de boa-vontade para com os que necessitam, e ninguém ensinará, com segurança, se não possui a seu favor os atos de amor ao próximo, no que se refira à compreensão e ao auxílio fraternais.
Em razão disso, as menores manifestações de caridade, nascidas da sincera disposição de servir com Jesus, são atividades sagradas e indiscutíveis. Em todos os lugares, serão sempre sublimes luzes da fraternidade, disseminando alegria, esperança, gratidão, conforto e intercessões benditas.
Antes, porém, da caridade que se manifesta exteriormente nos variados setores da vida, pratiquemos a caridade essencial, sem o que não poderemos efetuar a edificação e a redenção de nós mesmos. Trata-se da caridade de pensarmos, falarmos e agirmos, segundo os ensinamentos do Divino Mestre, no Evangelho. É a caridade de vivermos verdadeiramente nele para que Ele viva em nós. Sem esta, poderemos levar a efeito grandes serviços externos, alcançar intercessões valiosas em nosso benefício, espalhar notáveis obras de pedra, mas, dentro de nós mesmos, nos instantes de supremo testemunho na fé, estaremos vazios e desolados, na condição de mendigos de luz”. (Espírito Emmanuel, na psicografia de Francisco Cândido Xavier. Vinha de luz. FEB Editora. Cap. 110)
Assim sendo, pratiquemos a caridade incondicionalmente sem nada esperar em troca, podendo até mesmo ser alvo da ingratidão de quem recebeu algo, mas o bem realizado, de alguma forma, retornará a quem foi caridoso com o seu semelhante, pois o Pai tudo sabe e vê.
Bibliografia:
BÍBLIA SAGRADA.
CALLIGARIS, Rodolfo. O Sermão da Montanha: à luz da Doutrina Espírita. 18ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2018.
KARDEC, Allan; tradução de Guillon Ribeiro. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2019.
MOURA, Marta Antunes de Oliveira de (organizadora). O Evangelho redivivo: estudo interpretativo do Evangelho segundo Mateus. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2020.
EMMANUEL (Espírito); Saulo Cesar Ribeiro da Silva (Coordenação). O Evangelho por Emmanuel: comentários ao evangelho segundo Mateus. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2017.
EMMANUEL (Espírito); Saulo Cesar Ribeiro da Silva (Coordenação). O Evangelho por Emmanuel: comentários ao evangelho segundo Lucas. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2016.
EMMANUEL (Espírito); na psicografia de Francisco Cândido Xavier; Saulo Cesar Ribeiro da Silva (Coordenação). O Evangelho por Emmanuel: comentários às Cartas universais e ao Apocalipse. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2019.