“Falava ainda Jesus à multidão quando sua mãe e seus irmãos chegaram do lado de fora, querendo falar com ele. Alguém lhe disse: Tua mãe e teus irmãos estão lá fora e querem falar contigo. Quem é minha mãe, e quem são meus irmãos? – Perguntou ele. E, estendendo a mão para os discípulos, disse: Aqui estão minha mãe e meus irmãos! Pois quem faz a vontade de meu Pai que está nos céus, este é meu irmão, minha irmã e minha mãe.” (Mateus, 12: 46-50)
Allan Kardec, no livro “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, no Capítulo XIV, em “Honrai a vosso pai e a vossa mãe”, nos itens de 6 a 7, “Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?”, esclarece com os seguintes trechos:
“6. Singulares parecem algumas palavras de Jesus, por contrastarem com a sua bondade e a sua inalterável benevolência para com todos. Os incrédulos não deixaram de tirar daí uma arma, pretendendo que Ele se contradizia. Fato, porém, irrecusável é que sua doutrina tem por base principal, por pedra angular, a lei de amor e de caridade. Ora, não é possível que Ele destruísse de um lado o que do outro estabelecia, donde esta consequência rigorosa: se certas proposições suas se acham em contradição com aquele princípio básico, é que as palavras que se lhe atribuem foram ou mal reproduzidas, ou mal compreendidas, ou não são suas. (…)
Supor que Ele haja renegado sua mãe fora desconhecer-lhe o caráter. Semelhante ideia não poderia encontrar guarida naquele que disse: Honrai a vosso pai e a vossa mãe. Necessário, pois, se faz procurar outro sentido para suas palavras, quase sempre envoltas no véu da forma alegórica.
Ele nenhuma ocasião desprezava de dar um ensino; aproveitou, portanto, a que se lhe deparou, com a chegada de sua família, para precisar a diferença que existe entre a parentela corporal e a parentela espiritual.”
Dos esclarecimentos de Kardec, observamos a dificuldade em interpretar algumas passagens evangélicas, conduzindo-nos a perguntar: É isso mesmo que Jesus quis dizer?
O Codificador do Espiritismo apresenta importante observação: “Semelhante ideia não poderia encontrar guarida naquele que disse: Honrai a vosso pai e a vossa mãe. Necessário, pois, se faz procurar outro sentido para suas palavras, quase sempre envoltas no véu da forma alegórica.”
Pelo entendimento de Kardec, Jesus jamais quis ignorar a sua mãe e os seus irmãos, pois isso se conflitaria com os demais ensinamentos da Boa Nova. Assim sendo, importante buscar outras interpretações que servirão de base para possíveis conclusões.
O Espírito Emmanuel, no livro “O Consolador”, na psicografia de Francisco Cândido Xavier, na pergunta 342, ensina:
“342. A resposta de Jesus aos seus discípulos ‘Quem é minha mãe e quem são os meus irmãos’, é um incitamento à edificação da fraternidade universal?
– O Senhor referia-se à precariedade dos laços de sangue, estabelecendo a fórmula do amor, a qual não deve estar circunscrita ao ambiente particular, mas ligada ao ambiente universal, em cujas estradas deveremos observar e ajudar, fraternalmente, a todos os necessitados, desde os aparentemente mais felizes, aos mais desvalidos da sorte.”
Kardec e Emmanuel conduzem ao Cristo referir-se aos laços de família, seres unidos pelo sangue e espiritualmente, ou como escreveu o Codificador: “parentela corporal e a parentela espiritual”.
Outras fontes de consulta também nos auxiliam a refletir sobre esse assunto.
Do livro “Estudo Aprofundado da Doutrina Espírita”, Livro IV, da FEB Editora, extraímos:
“2.4. O cultivo de laços de amizade e de simpatia
Os laços de amizade extrapolam aos da família consanguínea, como ensina Jesus:
Quem é minha mãe e quem são meus irmãos? E apontando para os discípulos com a mão, disse: Aqui estão a minha mãe e meus irmãos, porque aquele que fizer a vontade de meu Pai que está nos Céus, esse é meu irmão, irmã e mãe. (Mateus, 12: 48-50. Bíblia de Jerusalém).
(…) Há, pois, duas espécies de famílias: as famílias pelos laços espirituais e as famílias pelos laços corpóreos. As primeiras são duráveis e se fortalecem pela purificação, perpetuando-se no mundo dos Espíritos, através das várias migrações da alma;” (…)
“Na seguinte passagem evangélica, às vezes interpretada equivocadamente, Jesus demonstra que a organização familiar fundamentada na união espiritual é a verdadeira, por persistir por toda a eternidade.
Chegaram então sua mãe e seus irmãos e, ficando do lado de fora, mandaram chamá-lo. Havia uma multidão sentada entorno dele. Disseram-lhe: Eis que tua mãe, teus irmãos e tuas irmãs estão lá fora e te procuram. Ele perguntou: Quem é minha mãe e meus irmãos? E, repassando com o olhar os que estavam sentados ao seu redor, disse: Eis a minha mãe e os meus irmãos. Quem fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, irmã e mãe. (Marcos, 3:31-35. Bíblia de Jerusalém)”.
No livro “Evangelho Redivivo”, Livro II, Estudo interpretativo do Evangelho segundo Mateus, da FEB Editora, temos:
“40.4 OS VERDADEIROS PARENTES DE JESUS (MT 12:46‑50)
46. Estando ainda a falar às multidões, sua mãe e seus irmãos (designa relações de parentesco) estavam fora, procurando falar‑lhe. 47 Eis que tua mãe e teus irmãos estão fora e procuram falar‑te [bons testemunhos]. 48 Jesus respondeu àquele que o avisou: “Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?” 49 E apontando para os discípulos com a mão, disse: “Aqui estão minha mãe e meus irmãos, 50 porque aquele que fizer a vontade de meu Pai que está nos Céus, esse é meu irmão, irmã e mãe” (parentesco espiritual).
Os ensinamentos do Mestre no tocante aos seus verdadeiros parentes foi motivo de muita discussão no passado, uma vez que nem sempre foi possível compreender a lição que Jesus nos transmitia: os laços espirituais de fraternidade entre os seres humanos:
Aqui Jesus começa a pregar a fraternidade universal. A despeito dos laços transitórios do sangue, somos todos irmãos, filhos do mesmo Pai, que é Deus. Não importa a cor, a raça, a religião, o credo político a que cada um pertence; estas coisas são transitórias e deixam o espírito logo que desencarne. Também são transitórios os laços consanguíneos; pela desencarnação, estes laços se desfazem, permanecendo apenas os laços da afeição e da simpatia que unem os Espíritos uns aos outros. No mundo espiritual, nossa verdadeira pátria, não há pais, mães, maridos e esposas: há apenas irmãos, filhos de Deus (…)
Em O evangelho segundo o espiritismo, lemos o seguinte:
Os laços do sangue não estabelecem necessariamente vínculos entre os Espíritos. O corpo procede do corpo, mas o Espírito não procede do Espírito, porque o Espírito já existia antes da formação do corpo. Não é o pai que cria o Espírito de seu filho; apenas lhe fornece o invólucro corpóreo, cumprindo‑lhe, no entanto, auxiliar o desenvolvimento intelectual e moral do filho, para fazê‑lo progredir.
Os Espíritos que encarnam numa mesma família, sobretudo como parentes próximos, são, na maioria das vezes, Espíritos simpáticos, ligados por relações anteriores, que se traduzem por uma afeição recíproca na vida terrena. Mas também pode acontecer que sejam completamente estranhos uns aos outros, divididos por antipatias igualmente anteriores, que se expressam na Terra por um mútuo antagonismo, a fim de lhes servir de provação. Os verdadeiros laços de família não são, pois, os da consanguinidade, e sim os da simpatia e da comunhão de pensamentos, que prendem os Espíritos antes, durante e depois de suas encarnações. Consequentemente, dois seres nascidos de pais diferentes podem ser mais irmãos pelo Espírito, do que se o fossem pelo sangue. Podem atrair‑se, buscar‑se, sentir prazer quando juntos, ao passo que dois irmãos consanguíneos podem repelir‑se, conforme se vê todos os dias.
Eis um problema moral que só o Espiritismo podia resolver pela pluralidade das existências.
Há, pois, duas espécies de famílias: as famílias pelos laços espirituais e as famílias pelos laços corpóreos. As primeiras são duráveis e se fortalecem pela purificação, perpetuando‑se no mundo dos Espíritos através das várias migrações da alma; as segundas, frágeis como a matéria, se extinguem com o tempo e muitas vezes se dissolvem moralmente, já na existência atual. Foi o que Jesus quis tornar compreensível, dizendo de seus discípulos: “Aqui estão minha mãe e meus irmãos”, isto é, minha família pelos laços do Espírito, pois todo aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos Céus é meu irmão, minha irmã e minha mãe.”
Vinicius, no livro “Nas pegadas do Mestre”, em “A família de Jesus”, interpreta:
“Eloquentíssima lição.
Os laços que verdadeiramente ligam os seres entre si na constituição da família não são os da carne nem do sangue, mas sim os do espírito.
Os laços da carne e do sangue são contingências da vida terrena: afrouxam-se com o atrito das paixões, rompem-se no momento da morte. Não podem, por sua natureza, irmanar e confundir os corações, fazendo da coletividade uma unidade. Só os laços do espírito logram tal resultado.
A prova desse fato está nas desinteligências que se verificam comumente no seio das famílias cujos membros se acham ligados somente pelos frágeis e tênues vínculos da carne e do sangue. Há irmãos – filhos do mesmo pai e da mesma mãe que mutuamente se repelem e até se hostilizam. Há cônjuges que se acham radicalmente divorciados, aparentando vida conjugal apenas para salvar as aparências.
Na organização da família, como na organização da pátria, só os fatores de ordem moral podem estabelecer aquela coesão indispensável, que dá a tais organizações solidez, vitalidade e permanência.
É no equilíbrio de aspirações comuns que se funda a base da família. Onde as almas não vibram no mesmo diapasão, onde os ideais não se conjugam obedientes a afinidades que se atraem, haverá conúbios híbridos, mais ou menos duradouros, mas jamais haverá família nem pátria.
Escusado é dizer que os ideais que deveras congraçam os corações são os puros e nobres, escoimados de rasteiros interesses. O egoísmo é dispersivo. Só o amor, perfeitamente compreendido, gera vínculos indissolúveis.
Daí o dizer de Jesus: ‘Aqueles que fazem a vontade do meu Pai, esses são meus irmãos, irmãs e mãe.’
Fazer a vontade de Deus é agir segundo a suprema lei do amor, fora da qual tudo é efêmero, fugaz e insustentável.
Há leis que regem o bem, mas não existe nenhuma para reger o mal. Este, como efeito da ignorância humana, vai-se dissipando à medida que a luz se vai fazendo nos cérebros e nos corações.
Nada pode ser estável no mal. Quanto mais dentro da Lei, mais perto da consolidação.
Entre Jesus e Deus há íntima e perfeita comunhão. ‘Eu e o Pai somos um.’ Semelhante ideal que visa a tão completa identificação, confundindo as individualidades numa unidade, representa o alvo supremo do Cristianismo, como se infere desta sentença destacada da oração sacerdotal, do divino Mestre: ‘Pai, quero que todos (seus discípulos de então e de todos os tempos) sejam um em mim como eu já sou um contigo. Eu neles, e tu em mim para que, desse modo, todos se aperfeiçoem na unidade.’
A verdade unifica. O erro dispersa. Se os homens conhecessem a Lei, e procurassem obedecer-lhe na organização da família, evitariam inúmeros dissabores e dolorosos sofrimentos. Infelizmente, porém, quando tratam de o fazer, cuidam de tudo, menos dos fatores de natureza espiritual.
Casam-se corpos, não se casam almas. Previnem-se os interesses temporais, menosprezando-se por completo os interesses espirituais. Consequência: o lar em vez de ser o doce remanso da paz onde se retemperam forças, é pandemônio onde se querela noite e dia, ou, então, é masmorra onde todos vegetam e ninguém vive com alegria de viver.
O lar, organizado sob a égide sagrada da Lei, há de ser a verdadeira igreja do Cristo conforme a promessa: ‘Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estarei eu no meio deles.’ (Mateus, 18:20.)
Cada chefe de família, assim constituída, será o sacerdote desse templo augusto. A esposa e mãe – cônscia dos seus deveres – será o anjo abençoado abrindo sobre ele suas brancas asas, a fim de abrigá-lo das intempéries do mal. Os filhos serão discípulos que, em tal meio, se exercitarão na aprendizagem da virtude, no cumprimento do dever, na disciplina santa do trabalho e da mútua dedicação.
Tal é a família como a quer Jesus e da qual Ele se considera membro.”
Dessa forma, as interpretações conduzem aos ensinamentos relacionados aos laços de família, diferenciando as uniões biológicas das espirituais, sendo que os verdadeiros laços se darão pela prática do amor fraterno universal e pelas afinidades duráveis que se fortalecem mediante a purificação moral e espiritual, perpetuando-se no mundo dos Espíritos, através das várias migrações da alma.
Os laços espirituais extrapolam os laços da família consanguínea.
“A despeito dos laços transitórios do sangue, somos todos irmãos, filhos do mesmo Pai, que é Deus. Não importa a cor, a raça, a religião, o credo político a que cada um pertence; estas coisas são transitórias e deixam o espírito logo que desencarne. Também são transitórios os laços consanguíneos; pela desencarnação, estes laços se desfazem, permanecendo apenas os laços da afeição e da simpatia que unem os Espíritos uns aos outros. No mundo espiritual, nossa verdadeira pátria, não há pais, mães, maridos e esposas: há apenas irmãos, filhos de Deus.” (Evangelho Redivivo, Livro II, FEB Editora)
Foi o que Jesus quis tornar compreensível, dizendo a seus discípulos: “Aqui estão minha mãe e meus irmãos, isto é, minha família pelos laços do Espírito, pois todo aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus é meu irmão, minha irmã e minha mãe”.
Bibliografia
BIBLIA SAGRADA.
EMMANUEL (Espírito), na psicografia de Francisco Cândido Xavier. O Consolador. 10ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2019.
KARDEC, Allan; tradução de Guillon Ribeiro. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2019.
MOURA, Marta Antunes de Oliveira de (organizadora). Estudo aprofundado da Doutrina Espírita: espiritismo, o consolador prometido por Jesus. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2016.
MOURA, Marta Antunes de Oliveira de (organizadora). O evangelho redivivo: estudo interpretativo do Evangelho segundo Mateus. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2020.
VINICIUS. Nas pegadas do mestre. 12ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2014.
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